Segundo inquérito em andamento da Polícia Federal, consórcio contratado pelo MEC para fiscalizar pré-teste repassou tarefa para o Christus, de Fortaleza
Bruno Abbud, de Fortaleza
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A feitura do Enem obedece à chamada Teoria de Reposta ao Item (TRI), pela qual todas as questões a serem apresentadas na prova devem ser previamente testadas. O objetivo dessa etapa, conhecida como pré-teste, é verificar o grau de dificuldade das questões. Só depois de testadas, elas seguem para um banco de dados (o do Enem tem 6.000 testes, quando o indicado seriam 20.000) e, posteriormente, são usadas em avaliações como o exame do ensino médio. O processo todo, é claro, deve ser rigorosamente controlado pelos responsáveis pelo exame (Inep e, portanto, o MEC), para que os testes não cheguem às mãos de estudantes. É uma forma de colocar em prática o princípio da isonomia – segundo o qual todos os participantes devem estar submetidos às mesmas condições ao realizar a prova. Os colégios devem ficar igualmente distantes: de acordo com o MEC, professores não podem sequer manter contato com os inspetores. Contudo, segundo depoimentos colhidos pela PF, foi justamente o que ocorreu no pré-teste realizado em outubro de 2010 no Christus.
À PF, Francisco Ferreira Quetez, que prestou serviços para a Cesgranrio – fundação contratada pelo Inep para aplicar o pré-teste juntamente com o Cespe, da Universidade de Brasília (UnB) – admitiu ter terceirizado a fiscalização da prova. O subcontratado foi (adivinhem...) o Colégio Christus. Em depoimento no dia 4 de novembro ao delegado Nelson Teles, que preside o inquérito do vazamento, Quetez afirmou que não dispunha de fiscais para vigiar o pré-teste do Enem no Christus. "Cheguei a falar para a Cesgranrio que não tinha condições de recrutar fiscais em razão das provas serem aplicadas em dias úteis", disse.
A solução encontrada foi a pior possível, segundo confirma depoimento de Maria das Dores Rabelo, funcionária do Christus e responsável por coordenar a aplicação do pré-teste. No trecho a seguir, ela narra um encontro entre representantes de colégios e o funcionário da Cesgranrio. "No final da reunião, o senhor KETTZ (sic) informou que estava encontrando dificuldade de encontrar fiscais para participar desse pré-teste e perguntou quem ali presente teria condições de recrutar esses fiscais." A orientação é que fossem recrutados profissionais sem vínculos com o colégio. Na prática, aconteceu o contrário.
Todos os fiscais contratados pelo Colégio Christus para o pré-teste mantinham laços profundos com a instituição: alguns eram ex-alunos, outros estudam lá até hoje. Cinco deles foram encontrados pela PF. Marcus Venicius Recamonde, de 29 anos, foi aluno do cursinho pré-vestibular do Christus entre 2003 e 2004. Naira Montesuma, de 26, cursou o ensino médio no Christus e atualmente frequenta as aulas de direito na Faculdade Christus. A irmã dela, Liara Montesuma, de 23, foi estudante do colégio entre 2002 e 2006 e agora faz fisioterapia na faculdade. Hilario Torquato, de 26, estudou toda a vida no Christus: hoje, é estudante de medicina da mesma faculdade. A situação de Naisane de Sousa, de 24, é semelhante, com a diferença de que ela cursa fisioterapia.
Nos testemunhos, as irmãs Naira e Liara afirmaram que foram convocadas às pressas para atuar na fiscalização. Mais: revelaram que um representante do próprio MEC telefonou à escola e, reforçando a orientação da Cesgranrio, pediu que uma funcionária do Christus, chamada Ana Maria, cuidasse do recrutamento. O trecho do inquérito que trata do assunto diz o seguinte, segundo relato de Naira: "Ana Maria justificou chamá-las de última hora em razão de acreditar que o MEC mandaria os fiscais para aplicar aqueles testes, contudo, segundo Ana Maria, a pessoa que contatou o colégio pediu para ela contratar os fiscais."
Maria das Dores, do Christus, acrescentou ainda a seu depoimento que os fiscais prometidos pelo MEC não apareceram. "No dia em que a declarante recebeu as provas na empresa de segurança lhe foi informado que alguém da Cesgranrio iria passar na escola durante a aplicação da prova, fato que não veio a ocorrer." Localizado pela reportagem, o representante da Cesgranrio, Francisco Quetez, não quis comentar o assunto. À PF, contudo, ele confirmou a versão de que o MEC conduziu o pré-teste com amadorismo (na melhor das hipóteses). "O consórcio CESPE/CESGRANRIO confiou na boa fé dos chefes de locais de prova, assim como dos fiscais", disse em depoimento. É um caso em que excesso de boa fé e incompetência se confundem.
Resta saber agora se se trata de um desastre isolado ou de uma catástrofe de grandes proporções. Segundo o próprio MEC, o pré-teste foi aplicado em 16 escolas de todo o Brasil em 2010. Como ter certeza de que a lamentável ausência de rigor, indicada em depoimentos à PF, não se repetiu em outros pontos do país?
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